“MINISTROS DE NOSSO DEUS”
HOMILIA PROFERIDA POR OCASIÃO DA MISSA DA UNIDADE
2025 – ANO SANTO DA ESPERANÇA
Nesta Missa da Unidade, no Ano Santo da Esperança, desejo refletir a Palavra de Deus, com foco na profecia de Isaias 61, das leituras de hoje: “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus. Eu os recompensarei em suas obras, conforme a verdade. E farei com eles uma aliança perpétua. Sua descendência será conhecida entre as nações… como descendência abençoada de Deus.”
Este texto profético se cumpriu no NT, em primeira mão, no novo povo santo de Deus, todo ele sacerdotal, contemplado na nova e perpétua Aliança pela Páscoa de Jesus no mundo, em especial na sua morte e ressurreição – que ora celebramos!
Assim, todo o povo de Deus é sacerdotal, ministro de nosso Deus, consagrado no Espírito e enviado, para noticiar à humanidade o amor de Deus na salvação recebida e oferecida em Cristo! E Ele, o Cristo mesmo, o ungido do Pai, o crucificado-ressuscitado, é a primícia deste Novo Povo, iniciador de uma nova humanidade, cuja semente é a Igreja, como ensinam os antigos Padres da Igreja: Jesus é Novo Adão, de cujo lado aberto na cruz, foi gerada a Nova Eva, a Igreja, ventre da nova humanidade recriada na graça pascal.
Deste modo, para cada novo batizado, como para cada um de nós, um dia, quando ungidos na consagração dos óleos dos catecúmenos e do Crisma, se pôde dizer, como Jesus disse de si: “hoje se cumpriu essa escritura” (Lc 4,21).
Mas atenção! Jesus foi além, quando releu esta profecia isaíana, aplicando-a a si, “Hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabais de ouvir”, conforme Lucas 4,16-21, Ele fez dessa passagem sua plataforma identitária e missionária, seu projeto de vida e missão, como profeta, sacerdote e pastor.
Jesus deu assim, nova aplicação, novo cumprimento a esta profecia, a da consagração dele próprio, como ungido no Espírito, para o ministério de profeta, sacerdote e pastor do Pai. Portanto, esta passagem – desse modo relida na sinagoga de Nazaré – se tornou iluminadora de nossa própria identidade de consagrados e enviados no Espírito, em nossa ordenação sacerdotal. Assim feitos “ministros de nosso Deus” – e como o Senhor – profetas, sacerdotes e pastores, portadores do óleo da alegria, da consolação e da salvação para todo o povo, em especial para os frágeis, feridos, humildes e tristes; anunciadores, enfim, de um novo tempo (os tempos do Messias), de permanente “ano Santo da Graça”, disponível para todo homem e mulher que busque a Deus!
Relembremos ainda o texto: “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus. Eu os recompensarei em suas obras, conforme a verdade. E farei com eles uma aliança perpétua. Sua descendência será conhecida entre as nações… como descendência abençoada de Deus”.
Há neste versículo três promessas de Deus para seus ministros, continuadores do ministério de Cristo: A Aliança, a descendência e recompensa. Meditaremos, a seguir, essas três promessas divinas, em nossa vida de ministros de nosso Deus, em Cristo!
- A Aliança: “farei com eles uma aliança perpétua”.
Aliança é uma imagem e realidade recorrente e preferida da Bíblia, expressa a relação de Deus com povo e a relação que Ele espera, pois, de nós! É um compromisso gerado pelo amor mútuo, não pela obrigação. É, exatamente, o que se dá em nossa vocação e compromisso de ministros de Deus. Quem expressou isso de forma lapidar foi Jeremias: “Seduziste-me, Senhor e eu me deixei seduzir!” O conceito de Aliança é excelente para designar o nosso compromisso recíproco e definitivo com Deus em Cristo, que celebramos, pela mediação da Igreja Diocesana, na Ordenação Diaconal, Presbiteral e Episcopal, que gerou estreito vínculo de amor, de esponsalidade, de pertença, de diocesaneidade, é o sentido espiritual, não apenas jurídico, da incardinação.
Aliança é pacto duplo! Da parte de Deus- em Jesus, garantida a fidelidade para sempre, sua aliança é perpétua! Jesus é mediador e testemunha fiel desse pacto! Da nossa parte- urge o compromisso do humilde e empenhado esforço de renovação constante do nosso SIM! Para sermos sustentados na perseverança e na fidelidade, precisamos da graça misericordiosa de Deus, a nós oferecida nos meios que Jesus nos legou: a oração pessoal e litúrgica, a Palavra, a Eucaristia e a inserção no meio do povo- que nos ajuda na experiência de Deus.
Aproveito este momento da reflexão para saudar os padres que cumprem jubileu de prata sacerdotal neste ano 2025: Padre Paulo Efigênio, Padre Geraldo Agostinho, Padre Aguinaldo, Padre Marcos Costa e Padre Heron.
- A descendência: “Sua descendência será reconhecida entre as nações… como descendência abençoada de Deus”.
Como assim descendência? Poderíamos nos perguntar: já que o celibato que abraçamos pelo Reino dos céus, nos priva de uma família própria, das gerações físicas de descendência? A melhor resposta é a de São Romero, celebrado no mês passado: ameaçado de morte pelo exército salvadorenho, continuou sua profecia- contra a violência sofrida pelo povo- dizia abertamente em homilia pelo rádio: “se me matarem sobreviverei no meu povo”, e naquela mesma missa, misturou seu sangue com o sangue eucarístico sobre o altar!
Sem delongas: o nosso celibato assumido como oferta e entrega da vida a Deus e ao povo pelo Reino, gera uma outra descendência: a grande família de Deus! Há uma fecundidade visível desta nossa entrega.
Como a Abraão, há para nós uma promessa de abençoada e reconhecida descendência entre as nações, descendência esta que vamos gerando pela graça de Deus, quando batizamos; quando nutrimos com o Pão do céu, no Corpo e sangue do Senhor; quando iluminamos, constantemente, com a santa Palavra anunciada e testemunhada; quando sustentamos na Esperança da salvação, pela transmissão fé no Ressuscitado; quando em nome do evangelho e da caridade, ajudamos a proteger e defender a vida em situação de fragilidade, quando assumirmos em comunidade o cuidado de toda a obra de Deus, da casa comum; quando formamos e enviamos nosso laicato como sal e luz do mundo para repercutir nas famílias e nas comunidades, na sociedade, o Evangelho da justiça e da Paz, com as mesmas palavras, gestos e ações do divino Missionário de Nazaré, e é preciso não nos esquecer: que essa abençoada descendência se estende até o céu, naqueles que reconciliamos e ungimos, no limiar da vida, para a páscoa definitiva! Sinceramente: não há descendência mais bonita do esta que é a do próprio Senhor: cuja fecundidade gerou a nova humanidade, o novo céu e a nova terra, em processo (Conf. Rom 8).
- A recompensa: é a terceira promessa: “eu os recompensarei por suas obras”…
Queridos padres e seminaristas, inseridos nessa sociedade consumista, de tantas seduções e falsas promessas de felicidade, onde a gratuidade não contam mais, mas se contam os lucros, facilmente, podemos nos pegar de calculadora na mão, fazendo cálculos e somando ganhos!
Tentação aliás, que acometeu também a Pedro: sem acanhamento, ele interrogou ao Mestre, logo depois de serem alertados sobre o perigo do apego aos bens- quando do fracasso do chamado do jovem rico: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos que recompensa teremos?
Queridos padres e seminaristas! É preciso reafirmarmos, com todas as certezas, sem vaidade, e sem clericalismo, mas com clara consciência da graça que levamos em nós, embora “em vasos de barro”, como ministros de nosso Deus e os padres mais vividos no ministério, podem testemunhar: O amor de Deus e do povo não falha nunca para um padre que ama seu ministério, se doa por amor, com simplicidade, com alegria e generosidade, sem fazer cálculos e exigências! Se por um lado temos dever nos organizar – como fazia o Apóstolo Paulo, para não ser peso para ninguém – e até sermos doadores- também precisamos nos confiar à providencia divina e suas promessas, para estarmos cada vez mais livres, próximos e disponíveis para o povo. Este, busca em nós uma palavra de força e esperança em suas duras travessias e responsabilidades muito maiores do que as nossas. Para isso Deus nos chamou, nos ungiu e nos enviou, embora também humanos e peregrinos de fé e esperança!
Mas ainda preciso dizer uma coisa importantíssima: atenção! nossa recompensa é certa, mas não é imediata, nem podemos esperá-la e exigi-la do povo, da comunidade! Quando nos enganamos nisso, dá errado! A nossa recompensa é Deus mesmo, virá, somente, dele! A nossa recompensa imediata seja somente, a humilde alegria de servir, de nos declarar “servidores inúteis que fizemos o que devíamos fazer”, como orientou-nos o Mestre!
Ora, não raramente, pode vir do povo a incompreensão, a cobrança e até a perseguição, como experimentou o próprio Jesus em sua terra, onde sofreu rejeição, desprezo e ameaça! E, quando trabalhamos esperando reconhecimento e recompensa e nos vem sofrimentos, aí podem surgir problemas: sentimento de decepção, desânimo, stress, cansaço e até a tentação do questionamento do próprio ministério.
Trago, então para todos nós, um oportuno ensinamento de Francisco sobre o cansaço: os padres podem ser vítimas de três cansaços, explica ele:
- O cansaço do cuidado do povo, do atendimento, do trabalho evangelizador, das multidões. Diz o papa, esse cansaço é BOM! Ele traz alegria interior da missão cumprida. Dele se recupera facilmente.
- Há o cansaço dos opositores, dos inimigos da obra de Deus! Ele é desgastante, mas não nos derruba, é já esperado, é consequência do Evangelho que incomoda, pois é profecia! Deste cansaço o coração de Jesus nos dá o consolo: “vinde a mim vós que estais cansados… eu venci o mundo”, Mt 11,28-30.
- O ruim é o terceiro cansaço, é o cansaço de si mesmo! Este é perigoso, é corrosivo e destrutivo: é o cansaço da opção, das exigências da vocação e missão, ou dos próprios pecados e fragilidades! Esse é danoso! É um cansaço que pode adoecer, levar à crise, levar aos vícios, ao desânimo, ao desleixo de vida espiritual, da vida de oração! Esse desleixo pode levar à perigosa tentação do desânimo, de fazer de conta, de fazer o mínimo, de rever a opção!
É sempre oportuno recordar e poderá sempre nos ajudar este sábio conselho que ouvi de Dom Luciano Mendes- nosso candidato aos altares:
“Nas horas duras pelas quais todos passamos, a solução não é rever a própria opção. Nem muito menos deixar-se abater ou ceder à tentação. Intensificar a vivência de nossa vocação. Experimentar em cheio a força do amor oblativo, do “ágape”. Sair para a rua e visitar um doente, fazer companhia a um irmão idoso, assumir um trabalho árduo e escondido. Consolar um aflito. Aí nos sentiremos nós mesmos. Respiraremos de novo o ar puro de nossa primeira entrega a Cristo, voltaremos a vibrar pelo Reino. As dificuldades se superam por meio de um amor maior e não pelo empobrecimento interior ou por compensações que não podem nos satisfazer. Se o que nos faz felizes é o amor, só poderemos recuperar a felicidade, voltando a amar de verdade, tornando-nos solidários com os que mais precisam de nosso amor, os pobres, os desamparados, os esquecidos de todos. Quem já experimentou a alegria de dar-se gratuitamente, nunca mais se satisfará plenamente em outro valor. Todos serão menores. É maior a felicidade de quem se doa” (At 21,35).
Luz, aos 12 dias do mês de abril do ano de 2025.
Dom José Aristeu Vieira
Bispo Diocesano de Luz