Ministério Extraordinário da Sagrada Comunhão: a caminho do Jubileu de Ouro 1º de janeiro de 1968-2018

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Iácones Batista Vargas
Associado Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Cadeira nº 96, Patrono: Sebastião de Affonseca e Silva

Domingo, dia 1º de janeiro de 2017, completaram-se 49 anos da investidura dos 10 primeiros Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão do mundo.

O fato, até então inédito na história da Igreja Católica Apostólica Romana, ocorreu em solene celebração na Catedral de Luz, no primeiro dia do ano de 1968, após especial faculdade concedida pelo Santo Padre, o Papa Paulo VI ao então Bispo Coadjutor de Luz e Administrador Apostólico “sede plena”, Dom Belchior Joaquim da Silva Neto-CM.

No Concílio Vaticano II

Findava o ano de 1965, mês de novembro, e aproximava-se a solenidade de 8 de dezembro, para encerramento do grande Concílio Ecumênico Vaticano II, que reunira em Roma mais de 2.000 prelados do mundo inteiro, convocados, no Natal de 1961, pelo Papa João XXIII, hoje Santo. A igreja vivia o “florescimento espontâneo de uma inesperada primavera”, o momento de abertura das janelas dos velhos templos para a sociedade, que passava por “graves crises”, nos dizeres do augusto pontífice. A ocasião chamava os fiéis leigos a assumirem maior protagonismo na vida eclesial.

Ainda em Roma, o saudoso Bispo de Luz, Dom Belchior, recebe uma longa carta do seu coirmão lazarista Padre José Nunes Coelho-CM (futuro pároco em Bambuí-MG, onde tomaria posse em 5 de março de 1966, conforme registro nº 10, f. 35v, do Livro de Provisões nº II, da Cúria Diocesana de Luz), relatando as dificuldades de exercer os trabalhos pastorais e atender às necessidades espirituais de seus paroquianos, sobretudo na distribuição da sagrada comunhão aos enfermos. Na carta, Padre Nunes indagava “Será que o Concílio não poderá permitir que Leigos ajudem a distribuir a Comunhão?”

O relato sensibilizou Dom Belchior, que, a princípio, se viu impedido de fazer qualquer intervenção na Sala Conciliar, porquanto já há 2 anos estava concluída a constituição “Sacrosanctum concilium”, sobre os Sacramentos e a Liturgia, solenemente aprovada a 4 de dezembro de 1963. Mas o zelo pastoral e, sobretudo, a coragem não deixaram abater o jovem bispo (com apenas 47 anos de idade).

Recusa na Cúria Romana

Para evitar polêmica, sem consultar nenhum outro colega brasileiro, dirigiu-se diretamente à Sagrada Congregação dos Sacramentos, na Cúria Romana, onde fora recebido pelos quatro Monsenhores que ali trabalhavam, um dos quais foi contundente: “para Hóstias consagradas somente mãos consagradas.” “Se o Papa permitir isso, daqui a pouco até mulheres estarão distribuindo a Comunhão!” Seria “expor o Santíssimo Sacramento à profanação!”

As insistências do jovem Bispo de Luz não foram suficientes para convencer os executivos eclesiásticos. Havia “batido em porta errada”, pensou Dom Belchior. “Decepcionado mas não desanimado”, pediu licença para se retirar e foi acompanhado pelo mais jovem daqueles Monsenhores, que generosamente lhe sugeriu apresentar o pleito diretamente ao Sumo Pontífice, que estava “aberto a tudo que se refere ao progresso da Igreja”. Orientou que escrevesse duas cartas: uma em latim para o Papa Paulo VI e outra em português para o Secretário do Santo Padre, o Arcebispo (depois cardeal) Dom Antonio Samoré, italiano que “se gloriava de ser ‘expert’ na Língua Portuguesa”.

Carta ao Santo Padre

Novamente encorajado, Dom Belchior voltou à Domus Mariae, em que se hospedava, escreveu as duas cartas recomendadas e as levou à Secretaria de Estado do Vaticano, onde foram entregues ao secretário particular do Arcebispo Samoré, que, por estar gripado, não pode recebê-lo pessoalmente.
O jovem Bispo voltou esperançoso, pois o secretário do Arcebispo dissera que Dom Samoré iria “delirar” em ler uma carta em português, além de certamente levar a correspondência oficial ao Santo Padre em razão do assunto pastoral tão importante nela tratado.

Três Ministros Religiosos

Dom Belchior utilizou de muita sabedoria para conseguir êxito em seu pleito. Sabedor de que, no passado, o Papa Pio XII concedera a não clérigos, Superiores de Casas Religiosas, “em caráter muito especial, para atendimento a enfermos, o especial indulto de se poder levar a comunhão”, de início, fez o pedido especialmente em favor de três irmãos religiosos que trabalhavam na Diocese de Luz, conforme carta datada de 17 de novembro de 1965:

1. o Diretor do Colégio Antero Torres, em Bambuí-MG: Irmão Estevan Perna (coirmão do Irmão Lorenzo, nosso querido e saudoso Professor Guglielmo Necci), da Congregação dos Irmãos de São Gabriel;

2. o Diretor da Escola Profissional na Paróquia de Morada Nova de Minas-MG: Irmão José Eugênio-FDP, da Congregação da Divina Providência, de Dom Orione;

3. o Diretor da Obra da Boa-Imprensa na Diocese de Luz: Frei Pio, da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, em Dores do Indaiá-MG.

A autorização veio logo, em 24 de maio de 1966, por meio de ato assinado pelo Prefeito da “Sacra Congregatio de Sacramentis” (Sagrada Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos), Cardeal Benedetto Aloisi Masella, então camerlengo da Cúria Romana e que conhecia bem a realidade da Igreja no Brasil com sua escassez de sacerdotes, pois aqui fora Núncio Apostólico entre 1927 e 1946.

Para tanto, deveriam ser observadas as instruções contidas em carta de 7 de maio de 1966 (Protoc. nº 985/66), emitida pela Nunciatura Apostólica no Brasil, então comandada pelo italiano Dom Sebastiano Baggio.
A investidura desses três primeiros ministros religiosos (não leigos), com vigência para três anos, aconteceu nos dias 9 de julho de 1966, para Frei Pio-SDN (Dores do Indaiá); 20 de fevereiro de 1967, para Irmão José Eugênio (Morada Nova de Minas) e 9 de março de 1967, para Irmão Estevan Perna (Bambuí), conforme registros nº 5, nº 6 e nº 7, feitos por Mons. Omar Nunes Coelho, à f. 37 do Livro de Provisões nº II, da Cúria Diocesana de Luz.

Dez Ministros Leigos

Meses depois da experiência com os três religiosos, Dom Belchior remeteu minucioso relatório à Santa Sé. Diante do êxito verificado, o Santo Padre ampliou a faculdade, desta fez a ser exercida por dez homens “de idoneidade comprovada, piedosos e exemplares”. Os fiéis leigos deveriam “ser de idade madura, de sexo masculino, distinguir-se pela vida cristã, fé e moralidade, além de ter uma instrução condizente com tão nobre ofício, e […] receber o mandato com alguma ritual solenidade”, além de usarem vestimenta especial que os distinguisse no exercício de tão importante ministério (alva eclesiástica ou a opa branca com o emblema eucarístico).

A comunicação oficial, datada de 20 de outubro de 1967, chegou às mãos de Dom Belchior no dia 6 de novembro de 1967, véspera de seu aniversário. No dia seguinte, por meio do Boletim do Clero nº 19, os padres da diocese foram convidados a apresentarem candidatos de “conhecida idoneidade moral” e “de piedade comprovada”, os quais se submeteriam, durante Retiro Espiritual nos dias 30 e 31 de dezembro de 1967, a curso preparatório com especial exortação para a importância da missão que viriam assumir pelo prazo de um ano.

Investidura em 1968

Assim, no dia 1º de janeiro de 1968, em solene celebração, durante a missa das 10h, na Catedral de Luz, Dom Belchior Joaquim da Silva Neto-CM conferiu o Ministério Extraordinário da Sagrada Comunhão aos primeiros fiéis leigos (não religiosos), que, juntamente com os outros ministros religiosos, são considerados os primeiros “Ministros da Eucaristia” do mundo:

1. Lusardo Carvalho: 33 anos, solteiro, chefe de armazém, legionário de Maria em São Gotardo-MG;

2. Hermínio Ribeiro das Neves: 59 anos, casado, pai de 12 filhos, avô de 13 netos, servidor público aposentado, secretário da conferência vicentina e irmão do Santíssimo Sacramento na Capela de Tapira-MG, próxima a Araxá-MG;

3. Antônio Cardoso de Oliveira (“Cardosinho”): 29 anos, solteiro, técnico agrícola e veterinário, vicentino e legionário de Maria em Cachoeirinha, capela de Córrego Danta-MG;

4. Frei Pio-SDN: 58 anos, irmão leigo religioso da Congregação dos Missionários de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, Diretor da Obra da Boa Imprensa e da Revista “Luzes”, de Dores do Indaiá-MG;

5. José Delfino dos Santos: 28 anos, solteiro, natural de Luz-MG, vicentino, legionário de Maria e professor em Iguatama-MG;

6. José Cota Sobrinho: 42 anos, casado, confrade vicentino e sacristão em Santo Antônio do Monte-MG;

7. Alzimar Queiroz Galvão: 18 anos, estudante, sacristão em Pimenta-MG;

8. João Raposo: 42 anos, casado, pai de 9 filhos, dentista protético e Diretor da Cáritas Diocesana em Luz-MG;

9. José Luiz da Silva: 25 anos, clérigo lazarista, estudante de Teologia, natural de Moema-MG;

10. Guglielmo Necci: 42 anos, italiano, casado, professor e Diretor do Ginásio Estadual em Luz-MG.

Esse fato histórico (e sua data: 1º de janeiro de 1968) está registrado sob o nº 4 da f. 39 do Livro de Provisões nº II, da Cúria Diocesana de Luz, bem como no Boletim do Clero nº 21, de 2 de janeiro de 1968.

Aspiração ao Diaconato

Além de receber a sagrada comunhão das próprias mãos, de auxiliar o padre na distribuição da eucaristia e de ministrá-la aos enfermos na ausência do padre ou do diácono, os Ministros Extraordinários também estavam autorizados a ministrarem o culto dominical, explicarem a Palavra de Deus, proporcionarem a benção e exposição do Santíssimo Sacramento para adorações, bem como foram investidos para administrarem o batismo e realizarem a Encomendação dos defuntos, com as orações do Ritual das Exéquias.

Nessa época eram considerados em condição próxima “ao Diaconato Leigo”, que Dom Belchior pretendia implantar da Diocese de Luz, consoante orientação conciliar.

A repercussão nacional da investidura inédita foi notícia no jornal “Estado de São Paulo”, edição de 19 de janeiro de 1968, que divulgou “As solenidades da ordenação diaconal dos 10 primeiros ministros da Eucaristia – a primeira no País”.

Novos Ministros

Remetido o devido relatório a Roma, a Santa Sé, tomando conhecimento do bem espiritual obtido, permitiu fazer experiência com mais vinte pessoas idôneas, do sexo masculino, pelo prazo de 3 anos, conforme ato de 26 de junho de 1968. Nessa data, houve expressa recomendação do Subsecretário da “Sacra Congregatio de Sacramentis”, Jos. Casoria, para que não se concedesse a pessoas do sexo feminino a faculdade de administrar a Santíssima Comunhão em igrejas ou oratórios públicos (capelas).

No dia 11 de julho de 1968, na Catedral, após o Retiro do Clero, Dom Belchior renovou a provisão dos dez primeiros e investiu outros cinco novos ministros: 1. Vicente Teixeira do Carmo (São Gotardo-MG), 2. Irmão José Eugênio-FDP (Morada Nova de Minas-MG), 3. Sebastião Antônio de Sousa (Tiros-MG), 4. Belchior Joaquim Zico (Zico Tobias, pai de Dom Belchior, Luz-MG) e 5. Pedro Marques Filho (Abaeté-MG, Cedro).

Em 27 de novembro de 1968, em Bambuí, foram investidos outros dois ministros: José Mendes Sobrinho, de Vila Costina, e Paulo Goulart da Fonseca, de Pains-MG. No ano de 1969, passaram a figurar como ministros: Hilarino Francisco das Neves e Atos Ribeiro Lemos, ambos da Capela de Tapira-MG (28 de junho); José Batista Pereira, de Japaraíba-MG (30 de agosto); Dr. Nicolau Teixeira Leite, de Bom Despacho-MG (12 de outubro); Irmã Maria José Péramo e Libério Eustáquio Ferreira, ambos de Bom Despacho-MG (16 de novembro). Em 31 de janeiro de 1971: José Soares da Silva, de Garças, Iguatama. Todos esses registros são os únicos que constam do Livro de Provisões nº II, da Cúria Diocesana de Luz.

Ministério Universal

A alegria de Dom Belchior se completou em 1970, quando, para seu “grande triunfo”, o Santo Padre permitiu aos Bispos de todas as Dioceses do mundo realizarem a investidura de Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão. Alguns anos depois, os próprios bispos diocesanos passaram a conceder esse ministério também a senhoras paroquianas, que atualmente são um dos “sacrossantos baluartes do Ministério da Eucaristia e da Comunhão frequente na Santa Igreja de Deus”, nas palavras do próprio Dom Belchior.

A primeira mulher leiga a se tornar Ministra Extraordinária da Sagrada Comunhão, na Diocese de Luz e no mundo, foi a Sr.ª Maria Alice de Souza, de Moema-MG, investida em 1972 (ou 1973), a qual tem sua vida registrada no livro “Maria Alice – Breve história de uma humilde serva de Deus”, escrito pela sobrinha Carla Conceição de Mesquita e Souza.

Preservação da Iniciativa

Por quase 30 anos Dom Belchior guardou consigo, discretamente, a autoria da iniciativa na instituição do Ministério Extraordinário da Sagrada Comunhão.

Após ligeiro registro na “Pastoral de Agradecimentos à Diocese de Luz”, escrita por ocasião de sua renúncia ao governo episcopal em razão da idade canônica de 75 anos, somente contou detalhes desse “gesto pioneiro de ousadia incrível” em 1997. Orientado “em consciência” pelo seu particular amigo, Dom João Resende Costa, que o sagrou bispo, escreveu o artigo “Como Nasceram os Ministros da Eucaristia”, publicado na página 5 da edição nº 420 do Jornal de Luz, que circulou a 31 de maio de 1997.

Posteriormente, Dom Belchior concedeu três entrevistas a respeito do tema, as duas primeiras, em agosto de 1999, ao jornal “O Vicentino”, de Batatais-SP, e ao Dr. Wagner Augusto Portugal, e a última à jornalista Vera Bernardes, em programa de televisão gravado em Belo Horizonte, pouco antes de seu falecimento em 24 de maio de 2000.

Entretanto, em todas essas ocasiões, por algum lapso, fez refere ao ano de 1967 (em vez de 1968, conforme registrado nos documentos oficiais arquivados na Cúria Diocesana de Luz, aos quais tivemos acesso durante essa semana).

Livro sobre os Ministros

Por ocasião das celebrações dos 60 anos de sacerdócio e áureo jubileu episcopal de Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, em 22 de setembro de 1989, em Uberaba-MG, Dom Belchior havia entregado cópia dos documentos recebidos da Santa Sé a respeito da instituição do Ministério da Comunhão ao Professor Carlos Pedroso, que lhe revelara a intenção de escrever um livro sobre esse importante fato na história da Igreja. Entretanto, em sua humildade, pediu que somente escrevesse após a sua morte, pois era algo que tomara maior vulto do que ele poderia imaginar.

Fiel ao pedido do bispo, por muitos anos o Professor Carlos Pedroso guardou aqueles documentos, que finalmente compuseram o livro “Os 10 primeiros Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística”, publicado em 2013, 13 anos após a morte de Dom Belchior.

50 anos em 2018

Atualmente previsto nos cânones 230, § 3, 910, § 2, e 911 § 2, do Código de Direito Canônico, o Ministério Extraordinário da Sagrada Comunhão constitui importante trabalho exercido por milhares de fiéis leigos, que assumem destacadas funções na Igreja de Deus e na vida em comunidade.

Por meio deste artigo, prestamos carinhosa homenagem à memória do saudoso Dom Belchior Joaquim da Silva Neto e a todos os Ministros da Comunhão, de ontem e de hoje, que voluntariamente trabalham em nossas paróquias e diocese!

Desejamos possam celebrar dignamente os 50 anos do Ministério Extraordinário da Sagrada Comunhão em 1º de janeiro de 2018, dando especial fulgor às comemorações do Jubileu do Centenário da Diocese de Luz!

Deus abençoe todos os Ministros da Eucaristia
e os conserve sempre perseverantes!