Jesus e a samaritana. Um encontro que modifica uma vida.

Uma mulher da Samaria chega ao meio-dia a um poço para tirar água, alheia a tudo o que ali a espera e distraída na trivialidade de sua vida cotidiana que não se abre ao imprevisível: vai só buscar água com o cântaro vazio para retornar à sua casa com ele cheio. Não há mais expectativas, nem mais planos, nem mais desejos.

Mas o imprevisível está lhe esperando na pessoa daquele galileu sentado na beira do poço e que inicia uma conversação com ela sobre coisas banais, talvez para não a assustar: falam de água e de sede, de poços e de velhas rixas entre os povos vizinhos, coisas de todos os dias. Repentinamente, irrompe a linguagem “das coisas do alto”, o dom, uma água que se converte em manancial vivo, a promessa de uma sede pacificada para sempre, um Deus em busca do ser humano, fora dos espaços estreitos de templos e santuários.

E, no final da cena, o cântaro que era símbolo da pequena capacidade que está disposta a oferecer, fica esquecido junto ao poço, agora já inútil pois não pode conter uma água viva.

O encontro de Jesus com a samaritana foi uma reunião entre diferentes. Diferentes no gênero: ele homem, ela mulher. Diferentes na cultura e na geografia: ela samaritana, ele galileu. E diferentes na religião: ele adorava o Deus de Jerusalém, ela o de Garizim. Embora tão diferentes, experimentaram o encontro e o diálogo, a partilha e a acolhida. Aprenderam do diferente. É no encontro com o diferente que crescemos como pessoa e como cristãos.

Os dois tinham sede. Ambos, porém, também tinham água a oferecer. A sede é uma água que nos habita e nos dá vida. A sede é fundamental, essencial. O nosso coração é um “interminável reservatório de sede. Sede de amor. Sede de verdade. Sede de reconhecimento. Sede de razões de viver. Sede de um refúgio. Sede de novas palavras e de novas formas. Sede de justiça. Sede de humanidade autêntica”.

Em termos orantes, o ser humano, todos nós, temos “sede do Deus vivo” (Sl 42,3), que brota de nossa terra ressequida, rachada, sem água: suspiramos como a corça suspira pelas torrentes de água, por Deus. Só o Senhor nos conduz para as fontes tranquilas (Sl 22).

Neste precioso e profundo relato do evangelho de João são tantos os temas que o autor vai alinhavando, a partir de diferentes níveis (histórico, simbólico, espiritual), que se torna impossível aprofundá-los em um breve comentário. A imagem da sede remete à nossa aspiração profunda, incapaz de ser saciada por nenhum objeto. A imagem da água, por sua vez, nos remete à nossa identidade original, que está brotando constantemente em nosso interior.

Jesus aparece como o mestre que nos liberta de enganos e de falsas identificações, para que possamos entrar em contato com a “água viva” que Ele mesmo já saboreia, a única que torna possível “nunca mais ter sede”.

Essa água não é “algo” – algum objeto que possa nos preencher – nem se encontra longe de nós. Constitui nosso núcleo mais profundo. O que normalmente acontece é que – como a samaritana – estamos longe dela. Ao viver “fora” de nós, desconectados da fonte, nos acontece aquilo que S. Agostinho lamentava:

“Tarde te amei, beleza sempre antiga e sempre nova, tarde te amei! No entanto, Tu estavas dentro de mim e era eu quem estava fora”.

Apesar desse descompasso, o importante é saber que a “beleza sempre antiga e sempre nova” não é “algo” (ou “alguém”) separado de nós, embora possamos nos dirigir a ela em chave relacional, nomeando-a como um “Tu”.

O encontro com Jesus move a samaritana e, nos convida também a nós que queremos ser uma igreja diocesana a “exemplo da samaritana”, a descobrir o manancial de água viva que flui em nossas entranhas em lugar de continuar sendo buscadores de “poços no deserto”.

Jesus espera a samaritana, como espera cada um de nós, ali onde está a trama de nossa vida. Ele inicia sempre o encontro pedindo-nos daquilo que já recebemos, do que já temos… Junto a Sicar ou ao lado de nossos próprios poços… Não é preciso percorrer um caminho diferente, não pede a ela, nem a nós, ir a nenhum templo, nem lugar sagrado; nossa própria vida, com as circunstâncias nas quais vivemos, é o lugar em que Jesus se faz presente. Às vezes o escutamos e outras nem sequer o vemos. Por vezes, temos medo de nos assentar na borda desse poço. Temos medo de ouvir dele as nossas verdades.

Ali nos pede, como à samaritana, que entremos no mais íntimo de nós mesmos, que desçamos ao nosso próprio poço, à nossa realidade profunda, que estejamos atentos à nossa própria fonte e à fonte dos outros. O encontro com Jesus não acontece na superfície de nossa vida, no banal ou impessoal, nas aparências ou falsas imagens que tantas vezes alimentamos. A presença d’Ele desvela (tira o véu) nosso manancial, muitas vezes bloqueado por uma cultura da exterioridade que nos resseca e torna estéril nossa vida.

Conversa vai, conversa vem e ambos, a samaritana e Jesus, foram se abrindo, ofereceram e acolheram. Foi um diálogo em pé de igualdade. Os dois transformaram e foram transformados. Porque a Boa Nova de Deus está no coração de cada pessoa. A samaritana reconheceu Jesus como um profeta e como o Messias esperado. Logo, foi partilhar a novidade com o seu povo. Tornou-se missionária e anunciou quem lhe oferecera água da fonte da vida. Por causa do testemunho dela muitas pessoas da Samaria acreditaram em Jesus e na sua proposta de vida. A Samaritana tornou-se discípula de Jesus.

Simultaneamente, somos água e somos sede. E o encontro destas duas realidades constitui nossa verdadeira identidade como discípulos e discípulas dele.

Tentar só guardar a nossa água ou permanecer fechados na nossa sede faz-nos definhar e morrer. Sondar as nossas águas e oferecer as nossas sedes é caminho comum de vida e redenção. Senhor, dá-nos sempre de beber, para que possamos também saciar a sede da humanidade!

Padre Dênis Cândido da Silva