FRANCISCO NOS DEIXOU, DEIXANDO-NOS RICO LEGADO

FRANCISCO NOS DEIXOU, DEIXANDO-NOS RICO LEGADO

 

Celebramos, 27 de abril, o sétimo dia da páscoa de nosso amado Papa Francisco- cujo falecimento 21 de abril, na grande oitava pascal, surpreendeu e entristeceu a Igreja e mundo! Calou-se a voz do maior líder mundial, do profeta ousado, clarividente e humano, do pastor extremoso e próximo, linda imagem do divino Bom Pastor, e de Francisco de Assis!

Este dia é de ação de graças a Deus, pelo fecundo ministério de Francisco- um santo orgulho para a Igreja; e dia, também, de orações por ele que tanto as pedia.  Afinal, ninguém se salva por si mesmo, ninguém se salva sozinho. Ele continua precisando das nossas orações, mas também reza por nós!

Uma questão a esclarecer: Aqueles, que numa análise superficial, partindo de qualquer convicção, não entenderam o Papa Francisco, julgando que tudo que ele falou e fez fora criatividade pessoal, ou foi tomada de posição política partidária de esquerda (acusaram-no até de comunista, que piada!) – estes estão, redonda e gravemente, enganados: O que Ele falou e fez foi pondo em prática o Evangelho, agindo em nome de Cristo, portanto da Igreja!

Tudo que Ele ensinou, encaminhou, trouxe para debate em sínodos, assembleias, diferentes encontros, foi resgatando as intuições e conclusões do Concílio Vaticano II– celebrado com participação de 2500 bispos há sessenta anos!  Este Concílio andava bastante esquecido, embora tenha sido de capital importância, pois veio atualizar a Igreja ficando à margem da sociedade por não se renovar.

Desde o concílio de Trento 1500, a Igreja andava meio na contramão das ciências e avanços tecnológicos. O Concílio Ecumênico Vaticano II, através de luminosos documentos- fruto de longo trabalho de oração, escuta e diálogo- sem mudar nada do essencial– abriu a Igreja ao diálogo com a sociedade, reorganizou e renovou a Igreja internamente! Resgatou o lugar da Palavra de Deus, ressaltou o lugar de Cristo e do mistério pascal tanto na liturgia, quando na evangelização! Devolveu a missão a todos os batizados, reestruturou o ministério ordenado, etc. Por isso que a Igreja, se jamais perfeita, aí está viva ocupando um lugar na sociedade.

Então, a espinhosa e abençoada missão de Francisco foi a retomada das intuições e propostas do Vaticano II (1962-1965), cuja aplicação ainda estava aquém, e ele, sabiamente, se devotou a fazê-lo. Sem esta contextualização da caminhada da Igreja, pode alguém sendo injusto com Francisco, taxá-lo de criativo inovador ou “inventador”. E ele contou muito com a experiência da vivência da Igreja latino-americana- este continente foi o  que melhor  acolheu  o referido concílio. Não por acaso é continente onde está a metade dos católicos do mundo.

Estou convicto que com o tempo, o magistério de Francisco vai ser melhor avaliado, em sua grandiosa contribuição de conteúdo e testemunho.

Ousarei, agora, esboçar uma despretensiosa síntese de Francisco em três pontos:

1-Francisco- um bom pastor, modelado no divino e Supremo Bom Pastor, na cátedra de Pedro.

Com forte espiritualidade centrada em Jesus Cristo, na Palavra e na atenção à realidade, nos inundou de orientações e pistas espirituais e pastorais para nos revigorar na vocação, na alegria da fé e da esperança, na resposta eclesial e missionária, para uma evangelização atualizada, efetiva e afetiva.

Enriqueceu a Igreja e o mundo, com gestos proféticos, fortes homilias e catequeses, com palavras certas, volumoso e precioso ensinamento registrado em numerosos documentos e livros, em forma de encíclicas, cartas apostólicas: cerca de sessenta livros foram editados nestes anos de seu pontificado, com ele ou sobre ele!

Ele foi um bom pastor configurado a Cristo Pastor. Seus gestos ousados em favor das “periferias”, em busca dos mais frágeis e feridos da sociedade, nos lembravam Jesus Pastor no meio do povo! Gestos de humildade, simplicidade e proximidade! Gestos de despojamento pessoal tanto na vida- no pontificado, como no sofrimento e na morte; gestos de acolhida! Sempre atento, sorridente, alegre e caloroso dava acolhimento a todos, especialmente às crianças, doentes, pobres, idosos e prisioneiros; gestos de entrega da vida, por amor, até o fim, sempre trabalhando, abençoando, esperançando e alegrando o povo com sua leve e carismática presença!

2-Francisco:  grande profeta, inspirador, pensador e testemunha de um novo humanismo.

Ele interpelou, fortemente, a humanidade em crise, e em vias de desumanização!   Na contracorrente da cultura dominante, e de uma sociedade dominada pelo mercado e pela ganância do lucro, Francisco, com toda clareza e pertinência, denunciou os “ismos” que adoecem e ameaçam as sociedades e a humanidade: o autoritarismo, o egoísmo, o consumismo, o materialismo, o extrativismo irresponsável das empresas alterando a natureza e o clima, o intimismo, o individualismo, o indiferentismo, o isolacionismo. “Ismos” estes, que Francisco diagnosticou estarem influenciando a Igreja, e a vivência da fé cristã, comprometendo a comunhão, a fraternidade e espírito de serviço: carreirismo, clericalismo, mundanismo, auto- referencialíssimo

O Papa propôs e testemunhou uma outra cultura– na via do amor, da partilha, da solidariedade, da paz e da justiça, em favor de um outro mundo possível: É a cultura do encontro; da comunidade, da fraternidade universal, da amizade social – pela via do diálogo aberto e respeitoso entre religiões, pensamentos e culturas diferentes, se enriquecendo, em vez de se excluir (“Fratelli tutti”).

Deus permita que esta voz profética que se calou ressoe agora mais forte em nossas consciências, pois, é uma questão de humanizar a desumanidade do mundo da fome, das guerras, das desigualdades e tantas violências…

3-Francisco: um grande líder da humanidade, ajudou a pensar soluções para os desafios e problemas da humanidade.

Francisco foi, sem dúvida, um grande líder do mundo: as presenças em suas exéquias de tantas autoridades do planeta (50 chefes de Estado e outras tantas dezenas de representantes oficiais), grande multidão de dezenas de milhares e um milhão de pessoas acompanhando pelo mundo afora pelas diferentes redes sociais e televisivas. Doídas pela partida de Francisco, as pessoas, independente da pertença religiosa, o homenageavam e se queixavam de perder um referencial e até mesmo um pai! E é preciso também dizer:  como é lamentável e vergonhoso que entre certos “católicos” houve quem “brindou” a morte do Papa! Rezemos por estas vítimas da ideologia, que já perderam até sua humanidade!

Francisco liderou, sim, mas não em nome próprio! Ele repercutiu, para agrado ou desagrado, foi a Doutrina Social da Igreja- alertando para os graves problemas do mundo, e irradiando a luz do Evangelho, indicou caminhos de paz o mundo: sendo voz dos sem voz, gritando, sempre e por todos os meios:

  • em favor da vida, dos pobres; das periferias econômicas, sociais e humanas; dos migrantes; dos prisioneiros; dos doentes e idosos;
  • em favor do meio ambiente- da casa comum, do futuro da humanidade!

O grande diferencial de Francisco é que ele não só denunciou: apontou também saídas pertinentes, alternativas e viáveis como pactos, alianças, associações, organizações, iniciativas como o pacto de educação global, a economia de Francisco e Clara. Sobre a Amazônia, propôs às autoridades competentes criarem um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure o seu ecossistema amazônico (QA,52).

Finalmente, rezo, e peço que rezem comigo a Deus, que na sua inesgotável bondade, com a partida de Francisco, Ele desperte na Igreja e na sociedade outros líderes corajosos, sábios e humanos que ensinem e ajudem a humanidade a conquistar melhores caminhos de futuro…que os poderosos do mundo escutem Francisco e aprendam a ser humildes, a sentar-se e dialogar na busca de saídas de Paz! Que nós cristãos herdemos os “sapatos missionários”, o coração humano, misericordioso e inquieto de Francisco! Que todos nós, nas pegadas dele, como verdadeiros peregrinos de esperança, saibamos também traduzir o amor evangélico em gestos proféticos, em propostas inteligentes e participativas e alternativas para uma nova sociedade, a do bem viver, para um outro amanhã, em que o planeta e humanidade possam, em tempo, serem salvos de piores catástrofes. Viva

Francisco na memória viva e na gratidão de nossos corações por tudo que viveu e realizou pela Igreja e pela humanidade.

+ José Aristeu Vieira- bispo de Luz.