Cristo habita esta tenda e fundamenta a nossa esperança
Pe. Patriky Samuel Batista
Para o Jubileu das Comunidades da Diocese de Luz-MG
Introdução: Um tempo favorável para “esperançar”
Na alegria do Jubileu da esperança temos a graça de celebrar mais uma Confraternização das Comunidades da Diocese de Luz – MG. Este é também um “tempo favorável” (cf. 2Cor 6,2), um “ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,19).
O povo de Deus, desde os tempos do Antigo Testamento, reconhecia no jubileu uma ocasião de recomeço, de libertação e de alívio das opressões. Neste cenário, o Jubileu das Comunidades é preciosa ocasião para reafirmar nosso compromisso, como Igreja local, de favorecer espaços e oportunidades para conhecer Jesus Cristo. Essa é a nossa alegria e esperança! Anunciá-lo, nossa mais preciosa vocação e missão.
Se no Jubileu a cada cinquenta anos, soava o shofar, a trombeta do jubileu (cf. Lv 25), para lembrar que a terra é de Deus, que a liberdade pertence a todos e que a justiça nasce do coração da Aliança, nossa confraternização celebra essa graça com o coração repleto de alegria, estimulando a missão como tempo de alargar a tenda da comunidade.
Hoje proclamamos com alegria: Cristo habita a tenda da comunidade de fé e fundamenta a nossa esperança! Sim, Ele, o Ressuscitado, caminha conosco, não apenas como hóspede, mas como aquele que arma sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1,14). Esta não é uma esperança qualquer: é esperança encarnada, esperança pascal, esperança firme como âncora da alma (cf. Hb 6,19). Por isso, somos chamados a alargar a tenda (cf. Is 54,2), isto é, tornar nosso coração, nossas comunidades, lugares onde a esperança se faz visível e acolhedora. Como nos ensina o teólogo Jürgen Moltmann, a esperança cristã é antecipação do futuro de Deus no presente. Ela não nasce da resignação, mas da promessa. Não é o consolo para o que se perdeu, mas a força transformadora que nos move rumo ao novo céu e à nova terra. Esperar, em Cristo, é já participar do que virá.
I. A tenda da esperança: da Babilônia à bem-aventurança
“Alarga o espaço da tua tenda, estende as peles das tuas barracas nada poupes! Estica as cordas, finca bem as estacas! Para a direita e para a esquerda te expandirás, e a tua descendência herdará as nações que virão repovoar as cidades abandonadas. Não tenhas medo, pois não passarás vergonha; não te enrubesças, pois não terás de que te envergonhar! Hás de esquecer a vergonha que passavas na adolescência, e nunca mais hás de lembrar a humilhação da tua viuvez. Pois teu esposo é o teu criador, Senhor dos exércitos é o seu nome! Quem te resgata é o Santo de Israel, que será chamado Deus de toda a terra!” (Is. 54,2-5)
O texto de Isaías 54 foi dirigido a um povo marcado pelo exílio, pelo luto da terra perdida e pela angústia da identidade ameaçada. Mas ali, no momento mais vulnerável, Deus pronuncia uma promessa: “Alarga o espaço da tua tenda, estende sem medo o toldo de tua habitação, nada poupes” (Is 54,2). Essa tenda tem um contexto teológico profundo: é a tenda da Aliança, a memória viva de que Deus caminha com seu povo.
- A cultura nômade nos ensina três coisas sobre essa tenda:
- Mobilidade: A tenda é móvel. Ela se arma e desarma conforme o caminho. Assim também a esperança: não é estática, mas caminha com o povo. O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium 222, nos diz que “o tempo é superior ao espaço”. O que importa é caminhar com o povo, mesmo quando tudo parece incerto.
- Fecundidade: Alargar a tenda é sinal de vida nova. Como nas famílias do deserto, onde o nascimento de uma criança exigia uma tenda maior, assim também em nossas comunidades: a esperança nos chama à fecundidade pastoral. O próprio Deus promete: “Te farei fecunda, te darei filhos” (cf. Is 54,1). Onde a esperança floresce, a vida se multiplica.
- Hospitalidade: Nos povos nômades, a tenda é também lugar de acolhida. Quem chega é recebido como irmão. Não se sobrevive no deserto sem comunhão. A tenda da Igreja, portanto, é chamada a ser lugar de portas abertas, onde cada pessoa encontra abrigo, perdão e comunhão. Como nos lembra a Fratelli Tutti, “ninguém se salva sozinho” (FT 54).
A promessa de Deus habitar a tenda não é romântica, mas comprometedora. Deus se compromete com seu povo. “Fiz contigo uma aliança eterna” (Is 55,3). Na linguagem do Concílio Vaticano II, poderíamos dizer que Deus faz da história o lugar de sua presença, e da Igreja, o sacramento visível dessa presença (cf. LG 1).
A esperança nos coloca em movimento, nos torna fecundos e hospitaleiros. Por essa razão, peregrinamos também em comunidade!
II. Cristo, Tenda definitiva da esperança
A esperança cristã tem um rosto: Cristo Ressuscitado. Ele é o cumprimento da promessa de Isaías. Ele é a tenda de Deus entre nós: “O Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14 – skēnóō). Ele é a verdadeira Tenda do Encontro, a arca da nova e eterna aliança. Como dizia Santo Irineu, “a glória de Deus é o ser humano vivo, e a vida do ser humano é a visão de Deus”.
- A Ressurreição de Cristo é a fonte da nossa esperança. “Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé” (1Cor 15,14). Mas Ele ressuscitou! E porque Ele vive, podemos enfrentar os desertos da existência com confiança. A esperança não é fuga, é resistência. Como dizia Charles Péguy, “a fé vê o que é, a caridade ama o que é, mas a esperança vê o que ainda não é e ama o que será”. E como afirma Moltmann, “a esperança não se ancora no que já foi, mas no que ainda não é”. Ela é essencialmente escatológica: abre o presente ao futuro de Deus. Por isso, a fé cristã é, ao mesmo tempo, memória do Crucificado e expectativa ativa do Ressuscitado que vem.
- A Igreja como tenda viva da esperança. Paulo nos lembra: “Sabemos que, quando se desfizer a tenda da nossa morada terrestre, temos uma morada eterna no céu” (2Cor 5,1). Nosso corpo também é uma tenda. Somos chamados a ser sinal de uma esperança que se encarna: humildade, simplicidade, autoridade como serviço, comunhão. Tudo isso é testemunho. Como dizia São João Paulo II, “o mundo de hoje tem mais necessidade de testemunhas do que de mestres” (Redemptoris Missio, 42). Por isso, como ensina Moltmann, a Igreja é chamada a viver como uma antecipação do Reino. Não basta anunciar que Cristo virá: é preciso viver como quem já saboreia os frutos do que virá. A esperança não é apenas individual, mas histórica e coletiva. Ela gera comunidades que, ao acolherem o sofredor, já anunciam o mundo novo de Deus.
III. Esperança encarnada: compromissos jubilares
- Ser comunidades hospitaleiras. Cristo nos acolheu. Também nós, e nossas comunidades, somos chamados a acolher. Toda evangelização começa pelo olhar, pelo abraço, pelo nome chamado com ternura. Uma comunidade que acolhe é uma tenda onde o outro se sente em casa, onde as feridas começam a cicatrizar. Nossa tarefa: abrir espaço para o diferente, acolher com misericórdia, construir uma Igreja onde ninguém se sinta estrangeiro. O acolhimento é o início de toda evangelização.
- Ser testemunhas da esperança. O mundo está sedento de sinais. Somos chamados a ser luz: levar palavras de coragem onde há silêncio de abandono; oferecer gestos de fraternidade onde impera a indiferença; semear confiança onde reina o medo. Ser testemunha da esperança é, muitas vezes, apenas permanecer: ser presença fiel que não desiste. Nossa tarefa: Em um mundo fragmentado, onde reina o cinismo e o desânimo, nossas comunidades precisam ser “laboratórios de esperança” (Papa Francisco, Discurso à Cúria, 2022). Não por estratégia, mas por vocação. Ser luz em meio às trevas. Como recorda Moltmann, “Deus é o Deus da esperança porque é o Deus da ressurreição”. Logo, testemunhar a esperança é participar do dinamismo da vida nova que irrompe da cruz. É viver a partir do futuro que Deus promete, mesmo que ainda estejamos no meio da noite. Esperança é fidelidade ao amanhã de Deus em pleno hoje do mundo.
- Fortalecer a vida comunitária. A esperança não se vive sozinho. Ela é dom partilhado. Onde há oração em comum, cuidado mútuo, celebração viva e serviço generoso aos pobres, ali a esperança floresce. Cada comunidade que reza, escuta e ama se torna uma tenda onde Deus habita e onde os desanimados reencontram força. Assim, como canta a canção popular: “O povo de Deus no deserto andava, mas à sua frente alguém caminhava”. Hoje, não estamos mais no deserto de areia, mas ainda enfrentamos desertos de sentido, de afeto, de fé. E Ele continua à nossa frente. Cristo não nos abandona. Ele sustenta a nossa tenda. Ele é o centro da nossa esperança. Nossa tarefa: Onde há partilha, brota a esperança. Onde há oração comum, cresce a fé. Onde há solidariedade, o mundo muda. A Eucaristia dominical é o coração pulsante da nossa esperança.
- Esperança como compromisso social. Nossa esperança não é um sentimento vago, nem fruto de otimismo humano. Ela tem um nome: Jesus Cristo. A esperança cristã não se reduz a esperar dias melhores: ela é certeza de que Deus já está conosco, mesmo nos dias piores. É confiança de que a última palavra pertence ao amor, e não à morte. É força que nos impele a continuar caminhando, mesmo entre lágrimas, porque sabemos que o Ressuscitado caminha ao nosso lado, abrindo o horizonte da eternidade dentro do tempo. Esperar em Cristo é comprometer-se com Ele. A esperança cristã tem pés, mãos e coração. Não é refúgio para fugir do mundo, mas luz para iluminá-lo. O Papa Francisco nos ensina que “a esperança cristã é a esperança de quem sai de si mesmo e se abre à partilha, à solidariedade” (Audiência Geral, 27 de setembro de 2017). Nossa tarefa: A esperança cristã nos leva à ação. Como nos lembra Bento XVI em Spe Salvi 35, a esperança autêntica se expressa na luta contra o sofrimento, na promoção da justiça, na defesa da dignidade humana.
Conclusão: A tenda como sinal. Senhor, alarga-nos! (Cf. 2 Cor 5,1)
Na travessia do deserto, o povo de Israel levava consigo a “Tenda do Encontro”, lugar sagrado onde Deus manifestava sua presença (cf. Ex 33,7-11). Era um sinal de que Deus não permanecia distante, mas caminhava com seu povo. Essa imagem da tenda é mais do que um símbolo: é uma promessa. É uma inspiração para nossas comunidades.
Com a Encarnação, essa promessa ganha carne e rosto. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). O verbo grego skēnóō, usado pelo evangelista João, significa literalmente “armar a tenda”. É como se o próprio Deus, ao entrar na nossa história, tivesse estendido sua morada no meio da humanidade. Jesus é essa tenda viva, esse santuário de encontro e reconciliação, onde a glória de Deus se revela não mais em nuvens ou raios, mas em gestos concretos de compaixão, escuta e doação.
Na Igreja, essa presença de Cristo se prolonga. A comunidade reunida no seu nome é chamada a ser, em cada tempo e lugar, essa tenda estendida no mundo: espaço de proximidade, refúgio de graça, casa de portas abertas. Em cada paróquia, em cada pequena comunidade, em cada coração que se abre, Cristo continua armando sua tenda: Ele se faz presente na escuta da Palavra, na fração do Pão, na vida partilhada entre irmãos.
Neste tempo jubilar, queremos dizer como Isaías: “Alarga, Senhor, nossa tenda!”. Queremos comunidades vivas, cheias do Espírito, ousadas na missão, fiéis à Palavra, enraizadas na Eucaristia. Queremos ser tenda acolhedora no deserto deste mundo. Não estamos sozinhos: Ele caminha conosco. Cristo é nossa esperança. Nele, somos um povo que canta, mesmo sob o peso da cruz. Um povo que espera, mesmo quando tudo parece perdido. Um povo que constrói, mesmo quando não vê resultados imediatos.
Como canta o Pe. Zezinho: “Esperar contra toda esperança. Caminhar como quem tem certeza. Partilhar com carinho da mesa onde Deus vem nos alimentar. Confiar como simples criança que não sabe talvez a resposta, mas aceita do Pai a proposta é meu jeito de crer e de amar”.
Esta é a esperança que Moltmann nos ajuda a compreender: uma esperança pascal, marcada pela cruz, mas orientada à aurora. Uma esperança que resiste porque já viu sinais do Reino. Uma esperança que, mais do que consolar, impulsiona.
Cristo habita esta tenda. E, por isso, não tememos.
Cristo habita esta tenda. E, por isso, não desistimos.
Cristo habita esta tenda. E, por isso, construímos comunidades de fé.
Nosso jubileu proclama com ousadia uma verdade essencial: Cristo habita esta tenda e fundamenta a nossa esperança. Ele não apenas passou por aqui. Ele permanece. Permanece no meio do povo. Permanece na sua Igreja. Permanece em cada altar, em cada sacrário, em cada coração ferido que se abre à graça.
Por isso, irmãos, não nos deixemos vencer pela fadiga nem pela névoa dos dias: Cristo habita esta tenda, e nela reacende a esperança. Não somos apenas os que creem: somos os que esperam com o coração em vigília. Como exorta Santo Agostinho, “Desperta, tu que dormes, e Cristo te iluminará!”. Sim, Ele nos ilumina com a luz da Páscoa, não com promessas vazias, mas com a certeza do Ressuscitado que caminha conosco. E como proclama Santo Ambrósio, “Cristo é tudo para nós: se estás ferido, Ele é o médico; se sedento, Ele é a fonte.” Assim, deixemo-nos alcançar por essa presença viva, que consola sem infantilizar, corrige sem esmagar, e chama sem jamais desistir de nós. Porque a esperança cristã não é um adiamento: é um início que se renova em cada Eucaristia, em cada sim ofertado, em cada lágrima acolhida pelo Amor.
Que Maria, Mãe da Esperança, que guardava a tenda do seu coração para Cristo, nos ensine a ser comunidade que acolhe, crê e espera. E que neste jubileu, o Ressuscitado nos levante, nos una e nos envie.
ORAÇÃO PARA O JUBILEU DAS COMUNIDADES
Cristo habita esta tenda e fundamenta a nossa esperança
Senhor Jesus,
Tu que és o Vivente,
Tu que armaste tua tenda entre nós
e fizeste do nosso chão lugar de encontro,
habita de novo, com ternura e fortaleza,
as nossas comunidades.
Alarga, Senhor, o espaço da nossa tenda.
Liberta-nos do medo de acolher,
da pressa que exclui,
do cansaço que desanima.
Ensina-nos a confiar quando tudo parece pequeno.
Dá-nos a coragem de semear,
a humildade de cuidar,
e a esperança de colher no tempo certo.
Torna-nos povo da Tua Páscoa:
feridos, mas em marcha;
frágeis, mas cheios da Tua presença;
pobres, mas ricos da Tua promessa.
Dá-nos o dom de uma Igreja que escuta,
que consola, que caminha.
Uma Igreja de estacas firmes na Palavra,
de cordas trançadas em comunhão,
de lonas largas para acolher os que vêm.
Maria, Mãe da esperança e Senhora da tenda,
ensina-nos a guardar as promessas de Deus no coração
e a caminhar mesmo quando a noite é longa.
Espírito Santo,
inflama de novo a nossa missão!
Faz de cada comunidade
um sinal do Reino que vem,
um abrigo para os cansados,
um lugar onde Cristo vive e reina.
Porque Tu, Senhor, habitas esta tenda,
fundamenta nossa esperança e nela queremos viver, servir e esperar.
Hoje, amanhã, e por todos os séculos. Amém.
Eis a nossa certeza: não caminhamos sozinhos. Nossa Diocese de Luz quer ser, neste tempo jubilar, uma Igreja em saída, mas enraizada. Uma Igreja missionária, mas com os pés fincados na rocha que é Cristo. Uma Igreja que não teme as fragilidades da sua tenda, porque sabe que a força vem do Senhor que a habita.
Pe. Patriky Samuel Batista
Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário – Pimenta-MG
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Referências:
BATISTA, Patriky Samuel. Anotações e reflexões pessoais advindas sobretudo durante o encontro da etapa continental do Sínodo para a Sinodalidade, março de 2023 – Brasília DF
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia cristã. Tradução de Milton Schwantes. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulinas, 2008.
MOLTMANN, Jürgen. O Deus crucificado: a cruz de Cristo como fundamento e crítica da teologia cristã. Tradução de Walter Altmann. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulinas, 2001.
MOLTMANN, Jürgen. A Igreja na força do Espírito: uma contribuição à eclesiologia messiânica. Tradução de Vilson Scholz. São Leopoldo: Sinodal, 1984.
MOLTMANN, Jürgen. Esperança e planejamento. Tradução de Ernani M. Fiori. São Leopoldo: Sinodal, 1971.