Sínodo de 1924: cem anos de comunhão na Igreja de Luz

“Que neste vigésimo quarto dia do mês de julho de mil novecentos e vinte e quatro, neste mesmo lugar em que nos encontramos reunidos, se dê início ao primeiro Sínodo Diocesano.” Foram com essas palavras que o primeiro bispo da Diocese do Aterrado, hoje Diocese de Luz, decretou o início do “Sínodo Diocesano de 1924”.

A celebração do centenário do nosso sínodo de 1924 nos convida a duas atitudes. A primeira é olhar para o passado e, com gratidão, aprender com aqueles que nos precederam na caminhada diocesana o que significa ser uma Igreja sinodal. Em segundo lugar, celebrar 100 anos é também olhar para o futuro e nos comprometermos ainda mais com uma Igreja cada vez mais sinodal, sinal do Reino de Deus na história.

O sínodo aconteceu em um momento muito específico da história eclesiástica brasileira, e alguns fenômenos não só o atravessaram como também conduziram as reflexões e tomadas de decisões. A recém-criada diocese tinha apenas seis anos desde o seu início e apenas três anos com a presença do bispo Dom Manoel. Ou seja, o sínodo ocorre não no meio de um caminho ou planejamento, mas faz parte do início da pastoral diocesana. Em um contexto pré-Concílio Vaticano II, a recém-criada diocese poderia ser conduzida somente com as decisões episcopais, mas Dom Manoel decidiu, bem no início de seu ministério, chamar os presbíteros para juntos pensarem os rumos da Diocese.

A Diocese de Luz, erigida em 1918, ainda estava em seus anos formativos quando decidiu realizar o seu primeiro sínodo diocesano em 1924. Sob a liderança do então bispo, Dom Manoel Nunes Coelho, o sínodo foi convocado com o objetivo de fortalecer a unidade e a organização da diocese, bem como promover uma renovação espiritual entre os fiéis.

A assembleia sinodal aterradense tinha como desejo a cooperação e ajuda no ministério de Dom Manoel. O parágrafo que abria a assembleia nos diz que os padres sinodais protestavam “de inteiro coração, o maior respeito e a mais perfeita obediência ao seu venerando e amado prelado [Manoel], com quem desejam cooperar eficaz e resolutamente no amanho da vinha do Senhor” (1).

A introdução das resoluções provenientes do sínodo nos traz uma informação que não é periférica: o sínodo acontece em um contexto eclesial marcado pela luta contra o modernismo, já que “o modernismo é a suma de todas as heresias antigas e modernas” (2). Nesse contexto, não só a Diocese de Luz tinha essa posição. Na verdade, a frase colocada na introdução do nosso sínodo é de outro documento, a encíclica Pascendi Dominici Gregis, publicada em 1907.

A luta antimodernista da Igreja Católica no século XX foi marcada por uma série de condenações, documentos e ações destinadas a preservar a pureza da fé contra o que era percebido como ameaças modernistas. Este período é crucial para entender as tensões entre tradição e inovação dentro da Igreja, bem como suas respostas às mudanças sociais e intelectuais dos tempos modernos.

O início do século XX foi um período de grandes transformações para a Igreja Católica no Brasil. Enfrentando os desafios da modernidade, a Igreja buscava formas de se renovar e se adaptar às novas realidades sociais, políticas e culturais. Nesse contexto, a realização de sínodos diocesanos tornou-se uma ferramenta vital para discutir e implementar projetos pastorais e administrativos. É interessante observar como nosso sínodo trouxe muitas das reflexões de outros sínodos, não só concordando, mas inclusive ratificando muitas das suas discussões. O Sínodo de Mariana, Maranhão e a Conferência de Diamantina são amplamente citados nas nossas resoluções.

Enquanto sociedade no início do século XX, o Brasil estava passando por profundas mudanças políticas, sociais e culturais. A Proclamação da República em 1889, a separação entre Igreja e Estado, o fim do regime do padroado e a crescente difusão e influência de ideias liberais e positivistas criaram um ambiente de tensão para a Igreja Católica, que respondia a todos esses movimentos de forma combativa. Esse movimento ficou conhecido como “neocristandade”, que tinha como último objetivo “recatolicizar” o Brasil laico.

O Sínodo em si

A assembleia sinodal começou na manhã do dia 24 de julho com uma procissão que saiu do Palácio Episcopal em direção à Catedral, hoje Santuário Nossa Senhora de Fátima. A cena é contada da seguinte maneira: “A 24, pela manhã, deixou o Palácio Episcopal, acompanhado de todo o clero, Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor bispo, revestido de capa de arminho, em direção à Catedral, onde devia dar a comunhão ao reverendíssimo clero e fazer a abertura do Santo Sínodo”. A missa celebrada no início da assembleia sinodal foi votiva ao Espírito Santo e foi seguida pela bênção papal. Cada um dos três dias foi dividido em três sessões, e o sínodo terminou no dia 26 de julho com o canto do Te Deum e uma despedida a Nossa Senhora. O dia seguinte ao sínodo foi marcado por outro fato histórico: a ordenação do Padre Symphronio Bahia da Rocha.

As resoluções e decisões decorrentes do sínodo foram compiladas em um livreto, impresso pela própria Tipografia Diocesana e amplamente divulgadas em todo território, inclusive em partes nas edições do Jornal “O Aterradense – Órgão Oficial do Bispado de Aterrado” no decorrer daquele ano. As resoluções são divididas em sete títulos, os quais se subdividem em 31 capítulos e 485 parágrafos.

O conteúdo das resoluções do sínodo é muito prático e pastoral, preocupando-se com a vivência do clero e dos fiéis. O sínodo olhava especialmente para como a Diocese do Aterrado expressaria a fé e como manifestá-la publicamente. Além disso, como era de se imaginar no contexto de um catolicismo muito centrado na figura do clero, mais da metade das decisões e conteúdo do sínodo tratavam dos padres da Diocese, suas obrigações e deveres, e quais atitudes deveriam tomar.

Foram introduzidas diretrizes para a celebração dos sacramentos e para a participação dos leigos na piedade popular. Essas reformas visavam tornar as celebrações mais dignas para a glória de Deus. O sínodo preocupava-se com a ordem, decoro e estética das igrejas que seriam construídas e também com aquelas que já estavam prontas, além de versar sobre os paramentos e vasos sagrados.

Um dos pontos interessantes do sínodo é o cuidado vocacional que já aparecia com tanta força e que pode nos inspirar na construção da cultura vocacional. O ponto 51, por exemplo, é aquele que determina a oração do “Amabilíssimo” em toda a diocese a fim de aumentar as vocações e pedir a santificação do clero. O sínodo vai além e não se preocupa somente com o cuidado vocacional daqueles que entram, mas também com os padres já ordenados, em vista de uma boa convivência entre os clérigos: “Pratiquem a divina caridade antes de tudo para com os irmãos no sacerdócio, a quem sempre darão provas do maior respeito e veneração” (23). A título de curiosidade, desavenças e brigas entre padres eram punidas com sanções e penas duras. O cuidado vocacional estendia-se também aos padres idosos e doentes, e foi nessa ocasião que surgiu a germinal pastoral presbiteral em vista de um cuidado com os padres da Diocese por meio da Irmandade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (36).

Para os fiéis leigos, o sínodo reservou todo o Título VI e também deu orientações sobre como os leigos deveriam se portar para a manifestação pública da fé. A preocupação com a conservação da fé e com os valores da família foi ratificada, e as piedades populares presentes no nosso povo foram regulamentadas.

Em relação aos pobres, o sínodo reafirma, já em 1924, que eles são “os preferidos de Deus” e, para o cuidado de suas necessidades, animou o clero a criar e animar as Conferências de São Vicente de Paulo (SSVP) e a garantir que os pobres tivessem a mesma dignidade na hora da morte que os ricos. Um ponto interessante do cuidado com os pobres é que o sínodo determinou que “nos pontos mais remotos das paróquias haja quem se encarregue de olhar as pessoas que passam a vida em privações ocultas” (462). O sínodo tirou a burocracia que distancia e fez com que a pastoral fosse cada vez mais próxima da realidade. Em 1924, o sínodo já intuía de alguma forma aquilo que hoje somos chamados a ser: Igreja Samaritana.

Foram estabelecidas normas para a administração dos bens eclesiásticos e para a transparência na gestão financeira das paróquias. Essas medidas visavam garantir a sustentabilidade e a responsabilidade na administração dos recursos diocesanos.

O centenário do Sínodo da Diocese de Luz não é apenas uma oportunidade para relembrar um evento histórico, mas também para celebrar o legado contínuo das decisões tomadas em 1924. Muitas das discussões e práticas pastorais introduzidas há cem anos continuam a influenciar a vida da Igreja local, inspirando novas gerações de fiéis.

Nos últimos cem anos, a Diocese de Luz tem se esforçado para manter vivo o espírito de sinodalidade e de compromisso colegial que marcou aquele evento do dia 24 de julho de 1924. Diversas iniciativas pastorais, sociais e educacionais foram lançadas ao longo das décadas, todas enraizadas nos princípios estabelecidos naquele sínodo histórico.

O centenário do Sínodo da Diocese de Luz é um momento de gratidão e de renovação. Ao olharmos para trás, agradecemos a Deus pelas bênçãos e orientações recebidas ao longo destes cem anos. Ao mesmo tempo, renovamos nosso compromisso com a missão da Igreja, buscando inspiração no espírito de fé e de serviço que guiou o sínodo de 1924. Que esta celebração seja um impulso para continuarmos caminhando juntos, como uma comunidade de fé viva e dinâmica, a serviço do Evangelho de Jesus Cristo.

Por fim, uma palavra que ainda pode nos inspirar em nossas práticas pastorais e que podemos meditar na celebração deste memorável dia é aquela dita por Dom Manoel na abertura do sínodo: “Que a presente obra, de nosso dever e obrigação pastoral, já agora começada, praza a Deus que com a assistência e favor de sua divina graça a possamos concluir.” Que essa celebração nos motive a seguir firmes em nossa missão, sempre buscando a graça divina para completar as obras que iniciamos, com o mesmo zelo e dedicação demonstrados há cem anos. Que possamos, como comunidade diocesana, continuar avançando unidos, fortalecidos pela fé e pelo compromisso com os ensinamentos do Evangelho.

 

Ruan de Oliveira Gomes