Uma Diocese no Arraial

Por causa do regime de padroado e, consequentemente a união entre a Igreja e o Estado, poucas dioceses foram erigidas no Brasil. No período colonial foram criadas somente três novas dioceses: Porto Alegre (1848), Fortaleza e Diamantina (1854). Com a proclamação da República o padroado foi extinto e a liberdade religiosa no Brasil foi garantida. Com a separação entre o Estado e a Igreja Católica foram criadas as dioceses de Pouso Alegre (1900). Uberaba (1900), Campanha (1907), Montes Claros (1910), Araçuaí (1913) e Caratinga (1915) todas elas em Minas Gerais. Dom Silvério, bispo de Mariana, no principio do século XX procurava uma paróquia no Oeste Mineiro para ser elevada à diocese. Em suas visitas pastorais sempre consultava os padres sobre essa possibilidade. Assim aconteceu com os vigários de Santo Antônio do Monte, Formiga, Dores do Indaiá, Pitangui, Piunhy, Bambui e outras. Das paróquias consultadas a maioria dos padres não quis assumir o compromisso e a responsabilidade de uma diocese. Cansado e doente Dom Silvério chegou a desanimar com a criação de uma diocese no oeste mineiro. Após dez anos de sua primeira visita pastoral ao Aterrado, Dom Silvério estava de volta e no decorrer dos dias conversava com seu grande amigo Padre Parreiras. Durante os mais de dez dias que passou na Paróquia Nossa Senhora da Luz, Dom Silvério em conversa com Padre Parreiras e as autoridades do arraial expôs o desejo e a necessidade de se criar uma diocese, desmembrada de Mariana, que fosse mais próxima de Uberaba. Falou sobre a recusa e as dificuldades que os padres consultados colocaram para assumir tamanha responsabilidade. Padre Parreiras, apoiado pelas autoridades do Aterrado, levou o seguinte recado para Dom Silvério: “se um arraial puder se tornar sede de bispado o desafio está aceito.” O Aterrado parecia seguir as palavras do Profeta: “Mas tu Aterrado, de modo algum és a menor entre as principais cidades do Oeste, pois de ti sairá um guia, que como pastor, conduzirá o meu povo.” Dom Silvério voltou para Mariana com a certeza de ter encontrado o lugar e o padre para consolidar a nova diocese mineira. Em contato com o Papa Bento XV em 1915 solicitou a criação da diocese num Arraial. Começava a história do futuro religioso do Aterrado.

Padre Parreiras – O Pastor que conduziu o seu povo

A presença de padre na Paróquia Nossa Senhora da Luz acontecia de sessenta em sessenta dias, quando vinha de Bambui e algumas vezes de Córrego Dantas. Com a população recebendo pouca orientação espiritual os fiéis se afastaram dos atos religiosos. A chegada de Padre Parreiras, em 1904, trouxe novas esperanças aos paroquianos. O jornalista luzense Djalma Azevedo (Djalma do Vié) descreveu Padre Parreiras como: “homem austero, dedicado, fervoroso que conclamava o povo a freqüentar as missas dominicais”. Com muito trabalho e o passar dos dias Parreiras conseguiu cativar a população que, atendendo ao seu chamado, voltou a freqüentar a Igreja, principalmente nos finais de semana. O Apostolado da Oração, presidido por Matilde Pereira de Oliveira (Dona Sinhá) e os vicentinos presidido por Antônio Gomes de Macedo foram peças importantes para que Parreiras conquistasse a afeição dos paroquianos.  Segundo o relato de Elias Silvério Pereira, carreiro de Parreiras, ele era um homem simples, humilde, sem vaidades, trabalhador e muito enérgico. Seguia Cristo em suas palavras: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Confiante em tornar o Arraial numa sede de bispado, Padre Parreiras após as missas dominicais levantava a batina, punha um chapéu de palha na cabeça, pegava o carro de boi e se punha a construir a nova igreja no lugar da antiga capela. Todo o material usado na construção vinha da estação ferroviária de Franklin Sampaio, perto de Iguatama. Dizia Padre Parreiras: “Com Deus e Nossa Senhora da Luz a nova igreja ficará pronta”. O Vigário Parreiras, Ewerton Pereira, Capitão Dú, Firmino D’Assunção e Washington Macedo (Achinho) eram os encarregados de auxiliar na construção da Igreja, sonho da população do Aterrado. Com doações dos fazendeiros e dos fiéis em poucos meses as naves da Igreja estavam prontas e com pequenas adaptações se tornaria a futura Catedral diocesana. O trabalho de Parreiras levou Djalma do Vié, em seu jornal “O Espectador” datado de 1952, outorgar ao Padre Parreiras o título de “O Ídolo da Cidade”. A ousadia, a “loucura” e o sonho de Parreiras se tornava realidade.

Trago-vos uma Boa Nova – O Arraial se torna Diocese

“Senhor, se for de vossa vontade e necessário para levar a Boa Nova aos povos da região, que o Aterrado se transforme em sede de bispado” pedia todos os dias Padre Parreiras enquanto rezava no breviário as orações matinais ao redor da nova Igreja. O tempo ia passando e Padre Parreiras continuava à espera de uma carta pastoral de Dom Silvério comunicando a criação da diocese do Aterrado. Notícias do Vaticano para a Diocese de Mariana demorava alguns meses. De Mariana para o Aterrado outros meses se passavam. Parreiras nunca perdeu a esperança. Um dia chegou uma carta, em meados de março de 1919 e nas linhas era comunicado a criação da Diocese do aterrado através da Bula Papal “Romanis Pontificibus” do dia 8 de julho de 1918 e decreto de 6 de janeiro de 1919. Padre Parreiras, provavelmente em 25 derço, dia da Anunciação de Nossa Senhora, fez repicar o sino da Igreja e durante a missa fez o seguinte comunicado em latim, língua oficial da Igreja, “Annuntio vobis magnum gaudium: Diocesis Aterradensis creavit fuit” que significa: “transmito a vocês uma grande notícia o Arraial do Aterrado, através da Bula Papal de Bento XV, foi elevado à sede de bispado”. Era hora de se dotar o arraial com uma casa para servir de moradia para o futuro bispo. Padre Parreiras, com a mesma comissão que construiu a nova igreja, arregaçou a batina e mãos à obra. Foram criadas cadernetas de doações que variavam de $1.000 a $ 100.000 Réis mensais. Aliado à boa vontade do povo, sempre à frente do seu carro de boi, Parreiras com seu dinamismo trabalhou de forma incansável, passou fome no meio do mato ao extrair madeiras, pedras e com sua fé sempre dizia: “Vamos com Deus e Nossa Senhora da Luz.”. Os bois cansados com a carga no carro levantavam, os carreiros iam à frente e a madeira chegava ao seu destino. Assim com muito trabalho o Palácio da Assumpção foi construído em tempo recorde, menos de três anos. Estilo Greco-romano, florões artisticamente coloridos, num barroco suntuoso e atraente, num torreão ao alto donde se podia ver não apenas os abacaxis do pomar da frente, os pés de cocos que embelezavam o caminho que ligava a Catedral, ao Grupo Escolar e à Casa Paroquial. Do Palácio avistava-se todo o Arraial do Aterrado e lá começava a rua que devido à sua extensão ficou conhecida como uma Rua Grande. Em 10 de junho de 1920 foi anunciado o primeiro bispo da Diocese do Aterrado, o Vigário de Coroaci, Padre Manoel Nunes Coelho, ou simplesmente Padre Nelo. Em 10 de abril de 1921, com a chegada e posse de Dom Manoel, o Arraial se tornou oficialmente Diocese do Aterrado.  A diocese era constituída por mais de oitenta paróquias entre povoados, distritos e cidades, com uma população estimada em mais de 300.000 almas, desde as imediações de Passos até a longínqua Patos de Minas. Pelo seu trabalho apostólico Padre Parreiras além de se tornar “Idolo da Cidade de Luz,” tornou-se “Benemérito da Diocese”. Esgotado em suas forças físicas e com vigor espiritual Padre Parreiras despediu-se do Aterrado e de seus paroquianos voltando para Mariana onde, por quase vinte anos, anunciou a Boa Nova aos fiéis.

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