No Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, dom Zanoni enaltece o diálogo

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Motivado pela Cáritas Brasileira, por ocasião do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro, o arcebispo de Feira de Santana (BA), e membro da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Zanoni Demettino Castro, fala sobre a questão e afirma: “Um modo para combater essas realidades de intolerância são as experiências de diálogo, de relacionamento, de convivência”.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual o cenário atual em relação à intolerância religiosa, como a Igreja dialoga com essa questão?

O mundo em que vivemos é eminentemente plural, diverso, rico de experiências e povos, plural nos âmbitos sociocultural, eclesial e religioso. Esse pluralismo é uma característica forte no mundo globalizado e une os povos, como se fosse uma aldeia planetária, onde todos se encontram, mas, muitas vezes, também se desencontram. As diferenças das culturas, dos credos enriquecem a história da nossa humanidade, mas também apresentam o desafio da convivência humana.

Muitos, e aí é o desafio da nossa realidade, diante desse pluralismo vivem a afirmação segura, a tendência ao fundamentalismo, uma atitude preconceituosa em relação à fé, isso, de fato, gera tensões, afasta pessoas, povos, culturas, igrejas. Vemos crescer em nosso meio, em nossas comunidades, nas cidades, no campo, a intolerância religiosa, as pessoas se fecham em sua tradição, em seu credo, defendem a sua fé de maneira rígida, quase que como uma Cruzada. Muitos terreiros são invadidos, muitas casas de tradição africana são violadas, igrejas desrespeitadas, e não só em nosso contexto brasileiro, mas em todo o mundo. 

Observamos também, às vezes, a vulgarização da nossa fé, nossos símbolos cristãos católicos são criticados, tornam-se piadas. É justamente essa realidade desafiadora que exige de nós diálogo nessa realidade plural, diversa. Temos um cenário que  desabsolutiza a verdade e possibilita a passagem daquilo que é estático, fixo, para aquilo que é dinâmico e versátil.  É preciso sair do monólogo para o diálogo.

O racismo, em sua versão religiosa, fez aumentar o número de casos de violência contra pessoas e grupos religiosos, na sua avaliação, por que estamos vendo o aumento dessas agressões?

Sobre o racismo religioso, eu compreendo que há naquela afirmação antiga “Extra Ecclesiam nulla salus” (Fora da Igreja não há salvação), uma interpretação destorcida, errônea, nada cristã, em que se absolutiza a sua verdade religiosa, o modo, a maneira de viver a fé. E o próprio cristianismo, passa, sobretudo, pela evangelização, pelo anúncio universal da salvação cristã. Há, de fato, uma distorção, a fé é defendida como se fosse não uma proposta de resposta a Deus, mas verdades, costumes, preconceitos em relação ao outro, ao diferente. 

O cristianismo tem uma diversidade de expressões e nós não podemos impor uma maneira única de expressar essa fé. Por isso, vemos aumentar o número de violência por causa da intolerância religiosa. No entanto, a missão da Igreja é evangelizar, dar uma notícia boa, isso passa, necessariamente, pela preocupação com as pessoas. Evangelizar não é elencar um grande número de ideias, de valores, de verdades. Por isso, é importante repensar a nossa fé, o modo como nós evangelizamos, há necessidade de conversão pastoral, como tem exigido o papa Francisco, ou seja, uma conversão eclesial. É preciso tocar as chagas de Jesus, o Cristo crucificado. Não nos deter a essa tentação de reduzir a fé cristã a normas, a prescrições, a proibições, a um elenco de verdades.

Diversos casos de violência e intolerância religiosa são atribuídos à cristãos, isso nos indica que há fragilidades na formação para o diálogo ecumênico e inter-religioso. A Igreja Católica tem se ocupado dessa questão?

Sem dúvida alguma há uma deficiência, uma lacuna enorme na formação, na identidade cristã, no diálogo com o outro, para que ele apresente também a sua verdade. Respeitar o modo diferente de ser é preciso, assim como ter presente a sua identidade religiosa, mas é fundamental saber ser relevante ao outro. Há necessidade de repensar a nossa catequese, a formação dos padres, a formação dos cristãos. Mas, isso passa, necessariamente, pelo serviço ao outro, o serviço ao mundo.  

Diante dessa realidade de intolerância e violência contra as igrejas ou às comunidades de matriz africana, há também sinais proféticos que apontam para uma nova maneira de evangelizar.  Muitas igrejas diante desses eventos se articulam, abrem diálogos, buscam se organizar para doações em vista da reconstrução de terreiros que sofreram atentados, essas iniciativas apontam para novas maneiras de evangelizar e de perceber que o Espírito Santo de Deus age onde quer, inclusive, em realidades e situações que não estão em nossos espaços religiosos. 

Esse contexto que vivemos nos faz compreender que nem tudo o que se refere ao Cristo, à Igreja, nem tudo que se fala sobre a fé cristã corresponde ao ensinamento de Jesus: aquele que passou a vida fazendo o bem, não teve preconceito para com o estrangeiro, sentou-se à mesa com os pecadores, falou de maneira respeitosa, sem nenhum machismo ou patriarcalismo com as mulheres, amou sem impor condição. Eu creio que mais do que nunca nós precisamos fazer com que os ensinamentos de Jesus marquem profundamente nossa missão, nossa pastoral.

Diante dessa realidade o papel da Igreja é fundamental. Vejo com grande alegria o trabalho da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem por missão promover a unidade dos cristãos e o diálogo inter-religioso no âmbito da Igreja Católica, conforme nos ensina o magistério, as cartas apostólicas. Nesse sentido, despertar nos vários regionais da CNBB uma pastoral ecumênica, atividades que indicam esse diálogo entre as várias Igrejas, essas iniciativas que temos, como a Campanha da Fraternidade Ecumênica que reúne várias Igrejas, são iniciativas fundamentais.

Como combater a cultura de violência e intolerância e promover a cultura do diálogo e do respeito às diferentes manifestações e práticas de fé?

Um modo para combater essas realidades de intolerância são as experiências de diálogo, de relacionamento, de convivência, os encontros entre as comunidades, como acontece durante a Campanha da Fraternidade Ecumênica, que reúne os cristãos, ou as celebrações que realizamos na Semana de Unidade dos Cristãos, por ocasião da Novena de Pentecostes.  Mas também, nas vivências do dia a dia, na luta pela justiça, no cuidado com os pobres, nas comunidades terapêuticas, na luta pela democracia. Quanto espeço de diálogo e aproximação há entre as comunidades! Eu mesmo tenho participado de cultos com pastores pentecostais, aceito convites de instituições religiosos, participo aqui em Feira de Santana de encontros, seminários, dentro da temática do anúncio da esperança e do fortalecimento da cultura do diálogo, isso é fundamental.

Estamos vivendo no Brasil há algum tempo o uso da temática religiosa para fins políticos econômicos. Quais os riscos dessa apropriação religiosa em campos como esses?

A manipulação, a utilização da fé cristã como respaldo para posturas conservadoras, políticas que defendem a ditadura ou realidades não democráticas, é uma grande preocupação. Isso não tem nada haver com o cristianismo, o cristianismo passa pela defesa das pessoas, pela liberdade. 

Quando se tem presente o Cântico de Maria: “O Senhor eleva os humildes e derruba dos tronos os poderosos” (Lc 1, 46-56),  percebemos que o que fazem não parece, de forma alguma, com o cristianismo, uma vez que negam a defesa dos direitos humanos, apontam para o caminho do desrespeito aos pobres,  negam a diversidade e a participação autêntica das pessoas.

A liberdade religiosa é um princípio e um direito assegurado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na Constituição Brasileira. Nosso país tem se ocupado de fazer valer esse direito? 

Nosso país tem uma tradição de cultura cristã, mas somos um país laico, isso não quer dizer que podemos desrespeitar as culturas religiosas, mas que precisamos garantir não seja um espaço para impor um modo único, uma maneira isolada de um grupo, de uma manifestação religiosa, ou de uma Igreja. E que não se utilize de maneira distorcida os princípios cristãos, da família, da solidariedade, do respeito. O próprio ensinamento de Jesus nos diz: “Nem todos aqueles que dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos céus, mas sim aqueles que fazem a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). E a vontade de Deus não passa pela corrupção, pela mentira, pelo desrespeito às pessoas, pela intransigência, mas pelo diálogo, pela fraternidade, pela construção de um mundo de paz.

Fonte: CNBB